Por Carla Sahium Traboulsi e Karine Aparecida de Oliveira Dias Eslar
É possível asseverar que as regras de compliance estabelecidas contratualmente com parceiros, visando o combate à corrupção, à fraude, ao conflito de interesses e visando ao cumprimento normativo, possam ser solucionados mediante convenção de arbitragem no mesmo instrumento contratual, conferindo, assim, maior credibilidade e integridade às relações contratuais estabelecidas.
O termo compliance surgiu no mundo corporativo da necessidade de disciplinar o cumprimento de normas leais dentro de uma organização. Inicialmente, surgiu com a legislação americana FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), que impactou o mundo corporativo com investigações e punições de atividades ilegais exercidas pelas empresas norte-americanas no exterior. Contudo, outras legislações como a Sarbanes Oxley Acts, aUK Bribery Act e a criação de um guia de boas práticas em controles internos, ética ecompliance, pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), evidenciaram a busca da adoção brasileira e mundial ante uma postura preventiva dos atos de corrupção.
No Brasil, a lei 12.846/13 dispõe que as empresas e seus gestores passam a ter como obrigação funcional zelar pela implantação de controles que visem assegurar a conformidade das atividades da organização com as regras anticorrupção. O decreto 8.420/15, no art. 2º, deixa explícita a responsabilização objetiva e administrativa de pessoas jurídicas que tenham praticado atos contra a administração pública nacional ou estrangeira, a qual será apurada por meio de processo administrativo.
Na cadeira de valores de uma empresa deve estar contemplada a transparência, a ética e a integridade de suas ações. Com isso, o programa de compliance inicia-se observando pilares de sustentação imprescindíveis para o seu sucesso. Dentre eles, deve-se ter em mente que o apoio da alta administração, a formatação de um código de conduta ética, a criação de um canal de denúncias, o monitoramento de ações, dentre outras medidas, podem ter o condão de mitigar riscos e colaborar com o bom andamento das atividades empresariais.
Dentro desse diapasão, a tomada de decisões pode perpassar pela eleição da arbitragem como meio de solução de conflitos contratuais envolvendo a área de compliance e as cláusulas anticorrupção acostadas aos contratos firmados entre parceiros comerciais. Isso se dá pois, do ponto de vista de compliance, uma empresa necessita estar atenta às atividades de seus parceiros e terceiros, sob pena de ver-se involucrada a responder por atos ilegais ou de corrupção, ainda que para os mesmos não haja contribuído diretamente.
A Lei Anticorrupção é clara ao afirmar que a responsabilidade da empresa é objetiva pelos seus atos, sendo que o decreto regulamentador da lei federal estabelece, em seu artigo 42, inciso III, que o programa de integridade deverá conter “padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados.” Nesse sentido, resta clara a responsabilidade da pessoa jurídica quanto à comunicação de seus parceiros ante a intolerância de atos ilegais e corruptos.
Desta feita, faz-se imprescindível que, para tanto, a empresa possa comunicar aos seus colaboradores a forma de conduta que se espera de seus parceiros, bem como que se possa cobrar e monitorar o cumprimento dessas condutas, as quais serão traduzidas em forma de políticas e deve constar como direcionamento geral traçado pelo código de conduta ética e pelos manuais empresariais.
De outra sorte, sob o ponto de vista contratual, também resta imprescindível a comunicação dos terceiros quanto ao programa de integridade e o comprometimento destes para com o cumprimento das normativas traçadas pelas cláusulas anticorrupção ou de compliance, restando, nesse ponto, a possibilidade de convenção de arbitragem, com cláusulas compromissórias previstas contratualmente, como meio eficiente de compungir o terceiro ao respectivo cumprimento. Tal conjunto de regras tem, inclusive, a possibilidade de conceder maior credibilidade à administração das empresas sob o aspecto organizacional, ético e regulatório.
Como a solidificação de um programa de compliance depende do engajamento do capital humano, tanto uma empresa de grande, médio e pequeno porte pode necessitar utilizar-se de um meio rápido para solução de seus conflitos contratuais oriundos do descumprimento das cláusulas de compliance a fim de promover uma adequação maior se seus litígios a sua realidade financeira e recursos pessoais.
Nesse aspecto, ao informar ao terceiro, parceiro ou fornecedor a sua maneira de fazer negócios, a empresa dita os meios pelos quais quer atuar no mercado e é nesse ponto que a arbitragem pode auxiliar na forma de solução dos conflitos advindos da frustração dos aspectos de compliance contratados.
Dentro das perspectivas normativas do programa de compliance instituídos nas empresas, acrescido da arbitragem como meio a ser utilizado para resolução de conflitos contratuais que podem envolver estas organizações, inexoravelmente ocorrerá maior segurança jurídica entre as partes litigantes se houver uma convenção arbitral que vise estabelecer regras para a solução de conflitos, mediante a escolha de câmaras especializadas, estabelecimento de sigilo, confidencialidade, celeridade e, por consequência, a menor exposição no mercado quanto às demandas contratuais.
Tais circunstâncias podem levantar questionamentos acerca da possibilidade de descumprimento da Lei Anticorrupção ou da possibilidade de se burlar o andamento de processos de apuração de responsabilidade administrativos levados a cabo pelas autoridades públicas. Contudo, a arbitragem pode ser usada contratualmente pelas organizações como canal eficiente no intuito de promover uma blindagem ainda mais efetiva quanto à integridade das ações empresariais, posto que, ao estabelecer que conflitos ocasionados pelo descumprimento contratual serão decididos por um terceiro que garanta a resolução de conflitos alicerçados em base jurídica consolidada, a empresa estará cuidando de suas relações de maneira sólida.
O abarcamento de empresas em litígios perante a Justiça estatal/pública reflete diretamente de forma prejudicial nos negócios cotidianos, nos contratos entabulados e principalmente nas negociações futuras de empresas de forma explícita e danosa a sua reputação, enquanto que a solução de um litígio contratual quanto à inobservância dos comandos decompliance pode atenuar riscos e consolidar uma imagem forte e de integridade da organização, que declarará contratualmente que não coaduna com práticas ilegais.
Assim, tanto os empresários de pequeno, médio e grande porte necessitam ter uma visão ampliada sobre o contexto das relações comerciais, de forma a se capacitarem para usufruírem dos dois institutos, compliance e arbitram, como forma agregadora para a melhoria dos resultados comerciais.
Uma vez que tais empresas são mantenedoras de grande volume de mão de obra, de importante percentual de transações mercantis, bem como de grande parte de prestação de serviços junto ao poder público, os mitos sobre a limitação do capital social das empresas para a utilização de regras e normas de compliance precisam ser revistos sob a nova ótica do mundo dos negócios. E tal despertar necessita ser urgente, tendo em vista que o Decreto referente à Lei Anticorrupção, no parágrafo 3º do art. 42, capítulo referente à avaliação do programa de integridade, assegura que “na avaliação de microempresas e empresas de pequeno porte serão reduzidas as formalidades dos parâmetros previstos neste artigo, não se exigindo, especificamente, os incisos III, V, IX, X, XIII, XIV e XV do caput.”
Em face ao momento histórico em que vive o Brasil, sob os aspectos econômico, ético e social, diante dos atos de corrupção ativa e passiva envolvendo os setores público e privado, é possível asseverar que as regras de compliance estabelecidas contratualmente com parceiros, visando o combate à corrupção, à fraude, ao conflito de interesses e visando ao cumprimento normativo, possam ser solucionados mediante convenção de arbitragem no mesmo instrumento contratual, conferindo, assim, maior credibilidade e integridade às relações contratuais estabelecidas, bem como propagando subliminarmente ao mercado o recado de que a empresa com a qual se está fazendo negócios preza pela ética em suas ações.
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*Carla Sahium Traboulsi é advogada, especialista em negociação, mediação, conciliação e arbitragem, membro do CBAr, superintendente do CONIMA no Estado de Goiás, mediadora e árbitra da CAMES.
*Karine Aparecida de Oliveira Dias Eslar é advogada, mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento, formação em compliance e ética pela Universidad del CEMA – Buenos Aires.
Alameda Santos, 1165,
sala 316, Jardim Paulista.
São Paulo/SP
CEP 01419-000
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