Com a edição da lei 13.129/15, que alterou a lei 6.404/76, chamada lei das S.A., incluindo o art. 136-A, que disciplinou a deliberação a ser tomada pela Assembleia Geral acerca da inclusão de cláusula compromissória no estatuto social e os consequentes efeitos dessa decisão perante os acionistas que votaram contra, pode-se dizer que representou uma solução legislativa para muitos questionamentos relativos à arbitrabilidade subjetiva dos litígios societários.
Apesar de o Código Comercial de 1850 já conter autorização para o uso da arbitragem na solução de conflitos existentes no âmbito de uma sociedade, a prática evidenciava o uso do instituto, tão apenas, em questões envoltas a acordos de acionistas, que haviam por escopo um contrato original, tornando-os, portanto, signatários à cláusula compromissória neles prevista, não havendo, desta feita, razão para se questionar eventual violação ao princípio da autonomia da vontade.
O avanço normativo de uso da arbitragem nas questões relativas a conflitos societários se deu, também, com a introdução, pela lei 10.303/01, do §3º no art. 109 da lei 6.404/76, que autorizou de forma expressa a possibilidade de o estatuto da sociedade estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, podem ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar.
Referidos avanços, no sentido de permitir e disciplinar o uso da arbitragem em questões societárias, evidenciam a insatisfação existente com as decisões proferidas pelo Poder Judiciário, especialmente nos litígios de natureza societária, que, além de específicas, exigem observância constante de práticas comerciais mais modernas.
É nesse contexto, de avanço normativo no sentido de permitir e estimular o uso do instituto da arbitragem para solução de conflitos no âmbito das questões societárias, que se iniciou um intenso debate acadêmico acerca da arbitrabilidade subjetiva e eventual violação da autonomia da vontade em decorrência da cláusula compromissória estatutária.
É sabido que é através do respeito à autonomia da vontade que as partes renunciam ao uso da via judicial como meio de solução dos litígios. Logo, o uso da arbitragem pressupõe anterior manifestação de vontade de forma livre e espontânea, seja através da existência de cláusula arbitral, para solução de conflitos vindouros, seja através do compromisso arbitral, referente a conflitos já existentes. O STF já se manifestou, inclusive, no sentido de que a celebração da convenção de arbitragem não representa violação ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, quando decidiu pela constitucionalidade da lei de Arbitragem. No mesmo sentido, e por iguais razões, a previsão constante no §2º do art.109 da lei das S.A., segundo a qual os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela assembleia geral, não deve ser considerada óbice para o uso da cláusula compromissória no estatuto social.
Com efeito, há de se reconhecer aparente conflito de normas quando analisamos a questão envolta a autonomia da vontade, que caracteriza a arbitrabilidade subjetiva e a previsão de cláusula compromissória estatutária. Justifica- se tal questionamento em razão do fato de que a inserção de cláusula compromissória em estatuto social não pressupõe a manifestação individualizada de cada acionista.
No entanto, o conflito citado é aparente para a maioria dos doutrinadores, sobretudo em razão da prevalência no direito societário do princípio da deliberação majoritária, que prevê a possibilidade de alteração do estatuto pela manifestação de vontade da maioria do quadro social, sem que todos pactuem da mesma vontade. Com base no cenário narrado, em que se questiona eventual violação à arbitrabilidade subjetiva em razão de inclusão estatutária de cláusula arbitral, devem ser analisadas três situações específicas, quais sejam, a inclusão da cláusula no momento de criação da sociedade anônima; a inclusão da cláusula após a constituição da sociedade por deliberação e aprovação da maioria dos acionistas e, por fim, a cláusula já existente no estatuto social antes da aquisição da cota social emitida pela companhia.
Há, entretanto, divergência doutrinária no que se refere a quais acionistas estariam vinculados à cláusula compromissória diante das situações elencadas. Para alguns, por ser o objeto da arbitragem um direito patrimonial disponível, o acionista deveria, de forma expressa, manifestar inequivocamente a sua vontade pela via arbitral, não sendo cabível, portanto, a sua vinculação se deliberou de forma contrária à inclusão. De outra feita, para outros, os acionistas que posteriormente adquiriram ações da companhia também se vinculam à cláusula compromissória, posto que aderem a um contrato em todas as suas cláusulas.
No entanto, com a edição da lei 13.129/15, referido debate foi, em parte, superado, tendo em vista que o art. 136-A da lei das S.A. passou a prever que a aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quórum do art.136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações. A utilização do direito de retirada ou direito de “recesso”, como no direito italiano, adequa e compatibiliza o princípio da autonomia da vontade e o princípio majoritário das sociedades anônimas, na medida em que permite ao acionista dissidente o direito de não concordar com a deliberação de inclusão da cláusula compromissória no estatuto social, ao tempo que ratifica o princípio majoritário como norteador das deliberações sociais.
Diante do cenário apresentado, em que se observa um avanço da legislação empresarial no sentido de proporcionar maior segurança e estímulo ao uso da arbitragem, há de se reconhecer a existência de questionamentos e controvérsias doutrinárias, sobretudo no que diz respeito ao princípio da autonomia da vontade e, por consequência, da chamada arbitrabilidade subjetiva e sua compatibilidade com a inserção da cláusula compromissória no estatuto social.
No entanto, conforme narrado, pode-se concluir pela existência de aparente conflito de normas, na medida em que se possibilita, através do direito de retirada, a expressão da manifestação da vontade do sócio dissidente.
Por: Ruy Garcez Moura Jr.
Publicado no Migalhas, quinta-feira, 26 de março de 2020
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Arbitragem e Mediação: a reforma da legislação brasileira/Caio Cesar Vieira
Rocha, Luis Felipe Salomão (coordenação). – 2.ed. rev. e atual – São Paulo: Atlas, 2017.
Curso de Arbitragem: Cahali, José Francisco – 6ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
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*Ruy Garcez Moura Jr. é procurador Federal, sócio-fundador da CAMES – Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada e especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar/Damásio de Jesus.
Alameda Santos, 1165,
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