O cooperativismo está presente em diversos ramos, como na área agropecuária, de consumo, de crédito, infraestrutura, saúde, trabalho e transporte, empregando centenas de milhares de pessoas.
No total, as cooperativas administram quase 500 bilhões de patrimônio dos seus cooperados.
Esse modelo econômico tem ganhando cada vez mais expressão no cenário nacional e tem mostrado seu vigor mesmo diante da pandemia da covid-19. Segundo dados do Sistema OCB, são mais de cinco mil e trezentas cooperativas funcionando no país atualmente, englobando mais de 15 milhões de cooperados.
O principal marco legal desse sistema é a lei 5.764/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo. Essa lei estabelece que as cooperativas são sociedades destinadas a prestarem serviços ao consumo ou ao trabalho de seus próprios sócios e não ao capital social, motivo pelo qual não distribuem lucros. Seus sócios, consumidores ou trabalhadores, se comprometem a exercer coletivamente suas atividades econômicas através e no nome da cooperativa. Esta, sem interesse próprio, celebra inúmeras obrigações no mercado no interesse de seus sócios, a conta e a ordem deles.
Para prestigiar os sócios enquanto consumidores ou trabalhadores, cada cooperado exerce o mesmo poder de voto e não de forma equivalente a sua participação no capital social.
É da essência do cooperativismo, portanto, a busca pela obtenção de resultado útil e comum a todos. Os cooperados, nessa perspectiva, são os próprios donos do negócio, compartilhando todos os seus ônus e bônus, na proporção das operações econômicas das quais participam através da cooperativa.
Portanto, trata-se de um modelo de exercício de atividade econômica e de relações obrigacionais evidentemente originais e que, portanto, implicam em um regime jurídico bastante peculiar.
Entretanto, apesar dessa profunda diferença e de uma elevada importância das cooperativas como instrumentos estratégicos para geração de desenvolvimento sustentável, todo esse diferencial ainda é vagamente assimilado pelo Poder Judiciário, que na maior parte das vezes desconhece as especificidades da legislação cooperativista. Assim, muitas vezes, as decisões judicias deixam de considerar da forma adequada o regime jurídico das cooperativas, produzindo uma profunda insegurança e instabilidade sobre o exercício de suas atividades.
Esse mesmo desconhecimento dificulta a percepção de que critérios um julgador deve observar para reconhecer tanto uma prática regular quanto um desvio de finalidade, deixando de aplicar soluções adaptadas aos casos examinados e congruentes com o regime jurídico do denominado Direito Cooperativo. O ambiente de negócios, muitas vezes desafiador para as empresas em geral, torna-se ainda mais adverso para as cooperativas.
Surpreende, assim, que até os dias de hoje o sistema cooperativista não tenha incorporado definitivamente os mecanismos de mediação e da arbitragem aos seus normativos, salvo poucas e honrosas exceções.
A possibilidade de ter uma definição mais rápida, confidencial, econômica e especializada em eventuais disputas envolvendo cooperados já deveria, por si só, ser fundamento suficiente para opção pelos métodos adequados de solução de conflitos.
Mas, para além disso, é da essência do cooperativismo buscar preservar a relação com os seus cooperados, o que muito dificilmente será obtido por meio de longos processos judiciais, ambiente muito mais propício para a contenda. A mediação, nesses casos, além de ser representar um método autogestionário de solução dos conflitos, tem muito mais potencial para regenerar essa relação que é tanto negocial quanto societária.
A arbitragem, por seu turno, garante que a decisão seja tomada por um efetivo especialista no setor e com muito mais agilidade. Do ponto de vista geral, esses padrões de qualidade técnica superiores tendem a proporcionar a desejada estabilidade quanto às regras que devem ser aplicadas às cooperativas.
A mesma advocacia judicial pode ser exercida com maior desenvoltura, resultados e honorários mais rápidos no âmbito da arbitragem especializada.
Vislumbra-se, assim, duas razões remanescentes para que a mediação e a arbitragem, já largamente utilizadas em outros setores econômicos, ainda não tenha se propagado em larga escala pelo cooperativismo:
Uma é a visão equivocada de que esses mecanismos são caros e de difícil acesso, estando restrito a grandes empresas. A essa respeito, cumpre-nos ressaltar que há atualmente um grande número de Câmaras Privadas de Mediação e Arbitragem que oferecem esses serviços a um custo acessível, inclusive com o oferecimento de processo eletrônico.
Segundo fator é o simples desconhecimento generalizado quanto à forma de utilização desses mecanismos, o que infelizmente ainda é uma realidade no nosso país, mesmo entre os profissionais do direito.
Quanto a este aspecto, importante registrar que um estratégico passo a ser dado pelas cooperativas para implantação definitiva desses mecanismos se inicia pela inserção de cláusula compromissória (convenção de arbitragem) nos seus estatutos.
Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.733.370/GO, é plenamente válida a cláusula arbitral inserida na convenção de condomínio, prevendo que eventuais disputas envolvendo os condôminos serão resolvidas em Câmara Arbitral, excluindo a intervenção do Poder Judiciário. E as razões ali utilizadas são plena e integralmente aplicáveis ao sistema cooperativista, que possui características semelhantes, nesse aspecto.
É necessário, pois, que o sistema cooperativista brasileiro se aproprie da evolução nos sistema de resolução de disputas privadas, à semelhança de outros segmentos econômicos.
Após mais de vinte anos da aprovação da lei de Arbitragem e quase seis anos da edição da lei de Mediação, com o apoio indiscutível da OAB e do próprio Poder Judiciário, já passa da hora do cooperativismo trilhar também esse caminho.
Advogado. Árbitro. Diretor-Geral e sócio da CAMES Brasil. Doutor e Mestre em Direito Internacional pela USP.
Advogado. Árbitro. Sócio da CAMES. Mestre em Direito Econômico pela UCAM. MBA em “Business Law” pela FGV.
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