A recente reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/05), com advento da Lei nº 14.112/20, trouxe uma seção especial intitulada “Das conciliações e das mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial”.
Por sua vez, o Código de Processo Civil (CPC) estabeleceu o sistema multiportas no Brasil, incentivando o uso dos métodos adequados para a resolução de conflitos, tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem.
De acordo com o §3º do artigo 3º do CPC, “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. O artigo 334, por sua vez, dispõe como será a audiência de conciliação ou de mediação no âmbito do Poder Judiciário.
Já a Lei nº 13.140/15 regulamentou de forma mais minudente, no nosso ordenamento jurídico, o procedimento de mediação judicial e extrajudicial como mecanismo de solução consensual de controvérsias.
Note-se que, antes mesmo da reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências, o Enunciado nº 45, aprovado na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal, já havia firmado o entendimento de que “a mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais”.
A recuperação judicial é o processo pelo qual o empresário ou a sociedade empresária em crise econômico-financeira, e que se mostra viável, propõe a renegociação de suas dívidas por meio de um plano de recuperação e, ainda, promove a reestruturação empresarial sob a supervisão do Poder Judiciário.
O objetivo da recuperação judicial, nos termos do artigo 47 da Lei nº 11.101/05, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, preservando a empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
O processo de recuperação judicial, portanto, constitui um procedimento de renegociação de dívidas entre devedor e seus credores através de diversos meios de recuperação exemplificativamente previstos no artigo 50 da Lei de Falência e Recuperação de Empresas, como é o caso de concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas e venda parcial dos bens, que podem ser desenvolvidos com o auxílio da mediação ou da conciliação.
De acordo com os dispositivos ora inseridos na Seção II-A, a conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos tribunais superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nessa lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.
A mediação poderá ser proposta em caráter antecedente, ou seja, antes do pedido de recuperação judicial, ou incidentalmente nos processos já em andamento, sendo admitida em casos de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial, nos termos dos §3º e 4º do artigo 49 da Lei nº 11.101, ou credores extraconcursais.
São admitidas ainda a conciliação e a mediação em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais; na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais; e na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial.
Na hipótese de negociação antecedente, as empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial poderão obter tutela de urgência cautelar, a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 dias, para tentativa de composição com seus credores em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada.
A Lei de Recuperação Judicial e Falências veda a conciliação e a mediação sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação em assembleia-geral de credores.
Preconiza a lei recuperacional que o acordo obtido por meio de conciliação ou de mediação deverá ser homologado pelo juiz competente e as sessões de conciliação e de mediação poderão ser realizadas por meio virtual, desde que o Cejusc do tribunal competente ou a câmara especializada responsável disponham de meios para a sua realização.
Por fim, está previsto que é dever do administrador judicial, sempre que possível, estimular a conciliação, a mediação e outros métodos adequados de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência, respeitados os direitos de terceiros. Nesse ponto, é importante ressaltar que não cabe ao administrador judicial figurar como mediador, mas tão somente estimular o uso desses mecanismos, assim como o próprio magistrado.
A mediação nos processos de insolvência empresarial trará inúmeras vantagens, especialmente a maior flexibilidade na negociação e na construção de soluções; a redução da assimetria de informações entre as partes, situação existente em todos os processos de recuperação judicial; diminuição do tempo e do número de recursos; o incremento na eficiência da comunicação entre as partes; redução da litigiosidade que naturalmente seria endereçada ao juízo e, adiante, ao tribunal.
Não temos dúvidas, portanto, de que os métodos adequados de solução de conflitos, e em especial a conciliação e a mediação, serão um instrumento extremamente eficaz para o atingimento do objetivo maior da recuperação judicial que é a manutenção da empresa e da sua função social. E, considerando as inúmeras disputas surgidas em decorrência da pandemia, devemos reconhecer que esses mecanismos são mais do que nunca necessários.
Filipe Denki Belém Pacheco é advogado e administrador judicial, especialista em Direito Empresarial com ênfase em Recuperação de Empresas, presidente da Comissão Especial de Recuperação de Empresas da OAB/GO, membro do GPAI–Grupo Permanente de Aperfeiçoamento da Insolvência, membro associado a Turnaround Management Association (TMA) e International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals (INSOL) e sócio do escritório Lara Martins Advogados.
Carlos Alberto Vilela Sampaio é advogado, árbitro, diretor-Geral, sócio do escritório CAMES Brasil, doutor e mestre em Direito Internacional pela USP.
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